Fabiana e seu vestido preto.


Certo dia estava deitado no meu sofá, de ressaca e óculos escuros, quando alguém bateu a porta. Levantei com muito esforço e fui até a porta. Meu apartamento era pequeno, sujo e com um cheiro de mofo, cerveja e cigarro bastante característicos. Aquele era um ótimo apartamento. Em frente havia um bar, e logo em seguida outros surgiram por perto. Eu evitava sair de manha na rua. Costumava sair no fim da tarde para resolver todos os problemas antes de começar a trabalhar como segurança do Teatro da cidade. Era um trabalho fácil. E era a noite.
Cheguei até a porta. Abri. Era a Fabiana Keller. Vestida para morrer num mini vestido preto, com um belo decote com uma maquiada exagerada. Ela nunca vinha até o meu apartamento, muito menos éramos amigos. Quando você passa muito tempo em casa e não conversa bastante com as pessoas, conseqüentemente, as noticias sempre chegam com atraso até você.
-você ainda está assim?!- Ela falou
 - Sim – respondi.
- Não acredito que você não vai ao funeral do Sr. Marco
- Não. Tenho umas cervejas e uma garrafa de vinho para tomar antes de começar o serviço, então ficarei por aqui mesmo. – O Sr. Marco tinha 97 anos e já estava no hospital a algum tempo devido a uma pneumonia. Eu sabia que ele não escaparia, mas não sabia que seria tão rápido.
- Porque você não vai? É o marco porra
- Já disse que estou ocupado. Ele era um cara legal, já estava na hora. Acontece. Quer uma cerveja?
- Aceito.

Fabiana entrou no meu apartamento e por um segundo, apenas um segundo, senti-me envergonhado de morar como um animal. Qual mulher pensa em dormir com um cara que mora num amontoado de lixo e garrafas vazias? De qualquer modo, ela sentou no sofá enquanto fui até a cozinha buscar algumas Skol em lata que estavam estupidamente geladas.
- Então, porque você veio aqui? – Disse, enquanto entregava uma das cervejas a garota e abria a minha –
- Achei que você precisava saber – Ela respondeu
- Entendo. Já colocaram um substituto no lugar dele?
- Sim. Ele vai ficar na bilheteria
- Entendo. É assim que funciona geralmente
- É..

Depois disso ficamos apenas nos olhando e bebendo nossas cervejas. Fabiana era uma ótima atriz que geralmente se apresentava no teatro. Ela interpretava uma louca numa peça recente que se tornou popular até pouco tempo atrás e, apesar de parecer um papel difícil, não era tão duro para Fabiana mostrar um pouco de sua loucura ao publico. Um dia, observando-a enquanto a peça estava seguindo, fiquei sem palavras para descrever sua atuação. Sem duvida, ela foi perfeita. Gritos, devaneios, o rosto, o olhar, o cabelo. Ela era, definitivamente, uma mulher louca. Eu só precisava saber que tipo de loucura ela gostava de fazer.
            A cerveja acabou. Ela pediu outra e prontamente entreguei sua cerveja. Continuamos bebendo sem conversa durante uma hora. Aquele silencio estava incomodando.
            -Então, devem estar colocando o caixão no tumulo nesse momento- eu disse
            - É, acho que sim
- Achei que você ia encontrar o Marco
- Acho melhor não. Ele foi um grande amigo pra mim
- Ele era amigo de todos
- Menos de você
- Ninguém é meu amigo
- Por quê?
            - Porque sou negro! Malditos racistas
- Não seja sarcástico. Odeio pessoas sarcásticas
- Já estamos nos entendendo melhor baby
- Você é um cara legal John.
- Caras legais são os que dormem sozinhos a noite
- Você dormiu com alguém ontem?
- Sim
- Com quem?
- A Hebe!
- Você tem um senso de humor doentio
- Isso não foi uma piada. Mas tudo bem.

Por fim, ela teve que ir embora. Apesar de um pouco bêbada, conseguiu chegar a sua casa tranquilamente. Ela nunca mais apareceu aqui, ou fala comigo quando nos cruzamos entre uma apresentação e outra. Não faço questão, mas seria legal fodê-la. O Sr. Marco foi substituído no dia seguinte a sua morte e desde esse dia ele não e mais lembrado. Virou apenas uma estatística do ano de 2029. Todos serão assim um dia. Eu prefiro me manter a parte das noticias, não preciso saber quem se foi, quem está a caminho. Tudo que me importa é a cerveja no fim da tarde, meu rosto no espelho, o cigarro fumado dentro do banheiro. O mundo não precisa de mim lá fora. Sou um animal e meu apartamento escuro é meu habitat.

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